quarta-feira, 2 de julho de 2014

SAUDE NA COPA 2014

LYNKS INTERESSANTES


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VIGILÂNCIA SANITÁRIA, ÉTICA E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

VIGILÂNCIA SANITÁRIA, ÉTICA E
CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
PAULO ANTONIO DE CARVALHO FORTES*
Introdução - Para a manutenção da convivência social, o homem desenvolveu
alguns mecanismos, entre os quais a ética. Visando a harmonizar interesses individuais
e coletivos, inicialmente esse mecanismo de coesão social tinha um caráter
predominantemente negativo, e uma tarefa mínima, a de proteger a integridade física do
ser humano, ou seja, evitar ou prevenir danos ou malefícios físicos causados aos
indivíduos. Prevalecia o princípio da não-maleficência, o primum non nocere, de onde
derivam as normas de não matar, não ferir, não causar dano a outrem. Posteriormente,
ele passou a ser um instrumento social orientador de caráter positivo, para determinar
aquilo que se deve fazer para alcançar a “boa vida”, o “bem-estar” das pessoas vivendo
em sociedade numa dimensão não só física, mas também psíquica e social. (7) (13)
A ética fala de valores, princípios e normas que servem de base para o
comportamento humano; fala do que é certo, correto e justo, e na responsabilidade dos
indivíduos por seus atos, com a finalidade última de que vivamos bem em sociedade.
Implica opção individual, escolha ativa. Requer a adesão íntima da pessoa aos valores,
princípios e às normas morais. Visa à interioridade do ser humano, solicita convicções
próprias que não podem ser impostas de fontes exteriores aos indivíduos. (3)
A tarefa atual da ética é a procura e o estabelecimento das razões que justificam o
que "deve ser feito", e não o "que pode ser feito", ou seja, as razões de fazer ou deixar
de fazer algo, de aprovar ou desaprovar algo, do que é bom e do que é mal, do justo e do
injusto. Pode ser considerada como uma questão de indagações, e não de normalização
do “certo”. Ética é refletir, argumentar e fornecer justificativas racionais para as
escolhas e tomadas de decisões morais, em casos e situações concretas. (11)
Ser um sujeito ético significa realizar atos livres, voluntários e conscientes, que se
caracterizem por preservar as pessoas, o meio ambiente e/ou a coletividade. Ter
liberdade de pensamento, sem coerções internas ou externas que restrinjam a tomada de
decisão. Para que se avalie a ética de um ato, é necessário que, na situação concreta
* Médico - Professor Livre Docente – Faculdade de Saúde Pública – Universidade
de São Paulo
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onde se dá o ato, existam alternativas de ação diferenciadas, incompatíveis entre si e
sustentadas por argumentação racional.
Para a tomada de decisão ética, além da existência de alternativas de ação, deve ser
possibilitada ao sujeito a escolha entre as opções possíveis (liberdade de optar) e a
liberdade de agir conforme a decisão e a alternativa por ele escolhidas. Quando se tem
apenas uma alternativa de escolha, ou somente se pode agir segundo uma determinada
alternativa, o ato não pode ser julgado eticamente. Como assinala Chaui (1995), a
deliberação ética se dá no campo do possível. Se, por vezes, não podemos escolher o
que nos acontece, assim mesmo podemos escolher o que fazer diante da situação que
nos foi apresentada. Por isso, a autodeterminação da pessoa humana está relacionada à
responsabilidade que tem consigo mesma e com os outros membros da sociedade. (2)
A ética no campo da saúde, em nossos dias, tem tido uma abordagem
multidisciplinar e multiprofissional, observada dentro de uma perspectiva intercultural e
humanista. Diferentemente do Direito e da Deontologia, visa à interioridade do ser
humano, solicita convicções próprias do indivíduo, aceitação livre e consciente das
normas, mas, como nas duas outras disciplinas, é necessário salientar que a discussão e
prática ética têm também uma ampla significação socioeconômica e política.
Assim, cabe ressaltar que é essencial a vinculação da ética às práticas de saúde
pública, especificamente à Vigilância Sanitária, pois esta não pode ser observada apenas
dos pontos de vista técnico, legal ou administrativo. Seu caráter ético é inerente, devido
a que decisões tomadas e ações realizadas em seu âmbito causam interferência direta ou
indireta nas pessoas, e no bem-estar da vida em sociedade.
Como afirma Costa (1998:25), a “Vigilância Sanitária é ação de saúde
eminentemente preventiva e perpassa todas as práticas médico-sanitárias, da promoção
à proteção, recuperação e reabilitação da saúde, ao atuar sobre fatores de riscos
associados a produtos, insumos e serviços relacionados com a saúde, com o ambiente e
o ambiente do trabalho, com a circulação internacional de transportes, cargas e pessoas.
A natureza dessas questões confere-lhe um caráter universal de certos aspectos das
práticas médico-sanitárias necessárias à reprodução e manutenção da vida”. (4)
Alocação de recursos para ações de vigilância sanitária – a necessidade de
estabelecer prioridades para distribuição de recursos de saúde está baseada no
pressuposto de que as necessidades são crescentes, mais amplas do que as
possibilidades de recursos financeiros, humanos e materiais existentes. Porém, é
necessário lembrar que, no Brasil, o gestor público enfrenta a desafiadora e difícil tarefa
3
de atender ao princípio constitucional da universalidade de acesso de todos os cidadãos
às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e, ao mesmo tempo, garantir o
princípio da eqüidade que reconhece não terem as pessoas as mesmas chances,
distinguindo-se não apenas pelas diferenças biológicas, psicológicas e mentais, mas
cultural, econômica e socialmente.
Boa parte das vezes, as decisões para alocação de recursos em saúde são
motivadas por valores e princípios morais, embora isso não seja claramente percebido
ou revelado. É certo que interesses político-partidários, corporativos e econômicos,
preferências pessoais dos administradores e técnicos também são fatores de influência
no processo de tomada decisória. Porém, é preciso salientar que as decisões de caráter
político, para serem eficazes, têm de levar em conta os valores morais prevalentes na
sociedade.
Assim, a inserção da VISA como prioridade nas agendas (nacional, estadual,
municipal) acontecerá em maior ou menor intensidade, conforme o valor ético-social
com que se trata a saúde das pessoas, e de qual for a interpretação majoritária sobre os
princípios de justiça social e eqüidade que tenha a sociedade.
Pode-se aceitar que a vigilância sanitária deva ser priorizada, dentro das políticas
públicas, por seu potencial antecipatório de promover a saúde, de prevenir danos à
saúde e de poder servir como um instrumento para promoção da eqüidade. O princípio
da eqüidade orienta as políticas públicas para a minimização da desfavorável situação
sanitária em que vive grande parte da população brasileira. A eqüidade está relacionada
ao princípio da diferença, partindo da existência de diferentes necessidades de saúde das
pessoas, e se orientando para que sejam reduzidas as desigualdades sanitárias existentes.
Apesar de que “as ações de Vigilância Sanitária respondem a necessidades
sanitárias geradas no sistema produtivo vigente, que cria situações de riscos e danos à
saúde individual, coletiva e ambiental, visto que envolve produtos, serviços e atividades
que direta ou indiretamente têm relação com a saúde”, pode-se defender que é
necessário que o poder estatal assuma a noção de responsabilidade social, a
responsabilidade pelos mais fracos, pelos mais necessitados, e não seja somente
conduzido por interesses econômicos ou produtivos, quando trazem riscos à saúde da
coletividade. (4)
Isso se choca com uma política de ajuste fiscal do Estado que tem reduzido o
exercício das políticas públicas, impedindo a implementação de medidas que possam
favorecer a minimização das desigualdades sociais, e dificultando a inclusão social
4
que não ocorre mais mediante a inserção das pessoas no mercado de trabalho
convencional, o que também tem resultado na possibilidade de ampliação dos riscos
sanitários.
O papel ético das políticas públicas para a vigilância é de se contrapor à
aceitação acrítica de que todas desigualdades sociais são inevitáveis ou toleráveis. Ao
contrário, requer compreender que as desigualdades podem ser minimizadas por meio
de orientações fundamentadas na eqüidade e na responsabilidade social, e não podem
ser unicamente baseadas no princípio da eficiência econômica. Portanto, não cabe
restringir, como é de ocorrência não rara, que as ações normalizadoras, fiscalizatórias e
controladoras dos órgãos da vigilância sanitária dirijam-se prioritariamente contra os
mais fracos, os sem-voz, os que não têm poder de negociação e pressão junto à
autoridade pública (trabalhadores do setor informal, pequenos comerciantes e
empresas), e se voltem prevalentemente para os interesses produtivos e econômicos das
grandes corporações e indústrias, nacionais ou alienígenas, contrariando a eqüidade.
Ética, vigilância sanitária e cidadania - a relação da Vigilância Sanitária com
as pessoas deve estar fundamentada na noção de cidadão, de sujeito de direitos, e não
somente na de consumidor, criando instrumentos que protejam a sua saúde. Deve ser
solidária com pessoas consideradas como iguais em seus direitos, mesmo quando
tenham diferentes posições ou valores socioculturais. Deve fundamentar-se em ações
antecipatórias, baseadas em uma ética de prevenção que deve sobrepujar a freqüente
prática de agir a posteriori, quando o prejuízo já foi causado, lembrando sempre do
trágico e notório caso das hemodiálises na cidade de Caruaru, acontecido há poucos
anos.
Os princípios éticos da beneficência e a não-maleficência induzem a que as
ações de vigilância sanitária tenham, como perspectiva, a promoção e a proteção da
saúde como qualidade de vida, orientada pela noção de “riscos sanitários”. Riscos
compreendidos como possibilidade de dano ou agravo, de evento adverso à saúde
relacionado a procedimentos, produtos e serviços de interesse da saúde, com
determinados fatores. Mas, não se pode omitir que a vigilância sanitária seja uma
atividade estatal essencial para o desenvolvimento econômico, pois também interessa ao
setor produtivo, para que ele seja protegido da má e prejudicial concorrência.
Por vezes, as ações da vigilância sanitária podem resultar em um confronto
entre os princípios éticos da utilidade social e da eqüidade. O utilitarismo ético requer a
maximização dos benefícios, e enseja que a conduta humana, para ser eticamente
5
correta, deva objetivar “o maior bem para o maior número de pessoas”. Apesar das
dificuldades para conceituar o que é considerado "bem-estar" no campo da saúde
individual e coletiva, a utilização da noção utilitarista significa que, quando são
defrontadas duas opções, dever-se-ia pesar cada uma delas e escolher aquela que
trouxesse mais benefícios ao maior número de pessoas, e pela qual fossem eliminados,
evitados ou minimizados os danos, o sofrimento, a dor das pessoas envolvidas. (5)
Porém, é necessário o devido cuidado para a adoção de ações de orientação
exclusivamente utilitarista, pois ao requerer o maior benefício para o maior número de
pessoas, pode-se estar discriminando ou não priorizando grupos minoritários, os grupos
socioeconômicos menos favorecidos, em contraposição ao princípio da eqüidade.
Outra questão que merece ser bastante refletida é o grau de aceitação dos riscos
sanitários que ocorre entre as diversas parcelas de nossa sociedade. Por vezes, a maior
aceitação dos riscos se deve à ausência ou à inadequação das informações e sua
deficiente compreensão. Mas não pode ser desconsiderado que determinadas culturas
parecem ser menos temerosas da existência de riscos, principalmente quando estes são
provenientes de avanços tecnológicos contemporâneos. Essa aceitação parece estar
condicionada ao pensamento de que sempre existirá um antídoto para o mal, que
problemas tecnológicos se corrigem com novo arsenal tecnológico (isto parece estar
sendo apresentado no debate referente aos transgênicos). Por mais paradoxal que seja, a
tecnologia excessiva pode levar ao incremento da passividade das pessoas, se não lhes
for possível compreender o sentido daquela.
O bem-estar da coletividade e a autonomia individual - Ética é um
instrumento social de combate à violência física, mental ou social, marcada pelo
desrespeito à saúde, à integridade física e à segurança dos indivíduos, dos grupos ou da
coletividade. (2)
A essência da atuação da Vigilância Sanitária é ética, pois se faz um instrumento
social para evitar “violências” contra as condições de saúde, promovendo medidas para
a melhoria da qualidade do meio ambiente, nele incluído o do trabalho, e condições
adequadas de qualidade na produção, comercialização e no consumo de bens e serviços
de interesse da saúde. As medidas de vigilância sanitária pressupõem estar orientadas
para resultar em benefícios ou, ao menos, para evitar prejuízos às pessoas e à
coletividade. Apesar de nem todas as ações estarem fundadas no poder de polícia
sanitária, elas podem gerar conflitos éticos, pois muitas vezes limitam ou restringem
liberdades e decisões individuais. Poder de polícia é uma atividade estatal exclusiva,
6
cujo objetivo é o de evitar conseqüências anti-sociais: restringe ou condiciona as
liberdades ou a propriedade individual, ajustando-as aos interesses da coletividade, e o
faz em nome da supremacia do interesse público sobre o individual. (6)
A preocupação sobre a ação do Estado e da sociedade no estabelecimento de
limites para a liberdade da pessoa não é nova, pois desde o século passado John Stuart
Mill (1806 – 1873), filósofo inglês, autor do clássico On Liberty, já afirmava que o
único fim para o qual a sociedade deveria interferir com a liberdade de qualquer um de
seus membros seria sua autoproteção. O único propósito, pelo qual o poder poderia ser
exercido corretamente contra a vontade do indivíduo, deveria ser o de prevenir danos a
outros indivíduos ou à própria coletividade. (9)
A intervenção estatal nas relações entre produtores, fornecedores e cidadãos,
mediante medidas que restringem ou limitam liberdades e direitos individuais – medidas
de normalização e controle -, pode ser eticamente justificada pelos princípios de
beneficência e de não-maleficência, por evitar conseqüências anti-sociais, danos a
terceiros ou à coletividade. Quando um agente sanitário, por exemplo, interdita um
estabelecimento comercial ou industrial, ele está restringindo o direito de propriedade,
direito este fundamentado na autonomia da pessoa querer ou não querer possuir um
determinado bem. Essa limitação de um direito deve ser motivada pelo bem da saúde da
coletividade, mas sempre respeitando a dignidade humana dos indivíduos envolvidos e
seus direitos de cidadãos.
Conflitos de interesses e o impacto nas gerações futuras - A vigilância
sanitária deve estar atenta para os conflitos de interesses na incorporação de novas
tecnologias. A tecnologia não é neutra, não traz consigo somente benefícios. Não cabe,
de forma nenhuma, sua absolutização, sua glorificação, como também não cabe um
fundamentalismo antitecnológico. Ao lado das esperanças, dos benefícios que provocou
e provoca, a tecnologia pode trazer consigo conseqüências danosas, maleficentes,
iníqüas e injustas em nível individual ou coletivo. Em países do terceiro mundo, a
demanda muitas vezes indiscriminada por tecnologia, tanto por parte dos profissionais
de saúde quanto dos usuários, cresce e pode levar à ampliação das desigualdades
existentes no sistema, em virtude dos custos financeiros envolvidos nos sistemas
públicos de saúde. Essa demanda é expansiva, e se deve, em parte, à ação da tecnologia
sobre o "imaginário" dos indivíduos e da coletividade. A tecnologia de ponta acaba
sendo concebida como instrumental racionalizador, eficaz e capacitado à resolução de
todas as necessidades de saúde - resultando num verdadeiro "culto à tecnologia". Assim
7
sendo, o desenvolvimento e a incorporação tecnológica no sistema de saúde devem ser
disciplinados no interesse da sociedade, que deles deve ser a real beneficiária, pois tudo
que é tecnicamente possível não se comporta como eticamente admissível.
Saliente-se o caso das pesquisas científicas que envolvem o controle da
vigilância sanitária. Elas também não são socialmente neutras, são produtos humanos,
construções conscientes de seres pensantes, seres éticos que interferem com outros seres
éticos. Elas têm por fundamento a melhoria do desenvolvimento humano, mas são
orientadas por motivos diversos, nem sempre relacionados com o bem comum. É muito
difícil acreditar que os pesquisadores, quando atuam, deixem de lado seus valores
sociais e suas ideologias, para conceber um produto de pesquisa neutro. Ao contrário,
pode-se inferir a existência de interesses, nem sempre explícitos, que não se devem à
concretização do bem comum ou científico, mas visam somente a interesses comerciais,
industriais, estratégicos, políticos e individuais.
A responsabilidade ética das ações de vigilância sanitária não se esgota no tempo
presente. Ações ou omissões do presente, utilização desmesurada de procedimentos
tecnológicos e transformações ambientais danosas podem comprometer as gerações que
nos vão suceder. Disso decorre que o balanço de benefícios e inconvenientes não deva
ser limitado ao tempo presente, mas considere sempre as conseqüências futuras. Mais
uma vez, saliente-se que isso não significa que devamos temer as transformações, não
aceitemos um embate entre o “natural” e o “artificial”, mas sim uma orientação ética
fundada no binômio liberdade-responsabilidade versus comercialização-exploração do
ser humano, conforme foi propugnado por Berlinguer. (1)
Informação, Publicização e Privacidade - A Vigilância Sanitária deve ter,
como princípio ético orientador, o respeito à autonomia dos indivíduos e da
coletividade, visando sempre a ampliá-la. Ela deve informar, publicizar seus achados
para que os cidadãos possam tomar decisões autônomas, protegendo sua saúde, evitando
ou minimizando prejuízos que possam sofrer decorrentes de bens e serviços de interesse
da saúde.
Informar é reduzir as incertezas sobre fatos e causalidades, e interessa aos
gestores do sistema de saúde, aos agentes sanitários e à própria sociedade, a qual tem
direito de ser informada sobre a qualidade e eficácia de produtos e serviços. As
informações fornecidas não precisam ser exaustivas e apresentadas em estrito linguajar
técnico ou científico, pois é necessário que elas sejam compreendidas por quem as
8
recebe. Defende-se eticamente a utilização de linguagem simples, aproximativa,
respeitosa e inteligível para os receptores, de acordo com as suas condições culturais.
Informação é essencial, quando se apregoa a participação da comunidade e o
exercício do controle social sobre as políticas públicas de saúde, suas prioridades e sua
implementação. Em nossos dias, observa-se uma situação de precariedade de
informações sobre os reais problemas de saúde do País, justamente quando ocorre uma
proliferação de livros, periódicos, revistas, programas de televisão e rádio, utilização da
Internet e outros veículos de comunicação abordando temas vinculados à saúde.
A necessidade de informar o cidadão sobre riscos à sua saúde pode se contrapor ao
princípio da privacidade das pessoas físicas ou jurídicas. Privacidade é um dos
fundamentos do Estado Democrático moderno, que no Brasil apresenta-se inserido nas
normas constitucionais vigentes (art.5º). Diz respeito ao anonimato, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas, e à esfera das informações pessoais. A privacidade das
informações refere-se ao processo de comunicação de informações interpessoais, onde
se espera que o receptor das informações não as divulgue para terceiros. Consiste no
conjunto de informações sobre uma pessoa, o qual ela pode decidir manter sob seu
exclusivo controle, ou comunicar, decidindo quanto e a quem, quando, onde e em que
condições. (10)
Porém, não é um princípio considerado eticamente como absoluto, ao contrário
tem seus limites fundamentados na possibilidade de causar dano à saúde da coletividade
ou de terceiros identificáveis. Por exemplo, quando tecnicamente comprovado, deve-se
informar à coletividade sobre problemas de produtos e serviços que possam causar
danos ou prejuízos à saúde e/ou segurança, utilizando, em muitos casos, os meios de
comunicação de massa. Mas é necessário cuidado para que não se estimule o uso
abusivo, preconceituoso e sensacionalista das informações, principalmente quando
riscos ou atos infratores das normas sanitárias não estão devidamente comprovados,
pois tal pode resultar em prejuízos morais para as pessoas envolvidas, como
infelizmente ocorreu em tempos não distantes.
Controle e participação social - efetua-se no exercício da vontade autônoma da
coletividade, partilhando o poder de decidir questões públicas. Só tem razão de ser
quando o modelo de sistema de saúde adotado por um país se baseia na
responsabilidade de Estado, pois, se a responsabilidade pela saúde se restringir aos
indivíduos, o controle passa a ter significado bastante limitado. Num contexto de
múltiplos e divergentes interesses, a presença de diversos segmentos da sociedade nas
9
decisões do aparelho de Estado, exercendo o controle social, constitui uma forma de
garantir o direito de tornar o Estado efetivamente coisa pública. Torna-se instrumento
de redistribuição do poder estatal, que, mesmo motivado pela beneficência, termina,
muitas vezes, assumindo formas paternalistas autoritárias.
As decisões a serem tomadas para a vigilância sanitária não devem constituir
preocupação exclusiva de técnicos especialistas, mas também do poder legislativo,
como representante do cidadão, das formas de organização da sociedade ligadas ao
aparelho estatal, como os conselhos de saúde e de vigilância sanitária, e também do
cidadão comum.
A consideração da saúde como esfera pública, através do controle social, deve
resultar na utilização do fundo público, do dinheiro público, de forma planejada, com
um projeto e regras transparentes, e com a presença dos interesses divergentes, ao
serem tomadas as decisões. (12)
Alguns poderiam indagar sobre o grau de possibilidades da eficácia do controle
social, de caráter contra-hegemônico, num contexto de dominação ideológica, em que o
consumo e o individualismo passam a ser valores éticos dominantes. A resposta a esses
questionamentos ainda é difícil de ser dada com precisão, pois o processo está em curso,
ressaltando-se que os estudos sobre as instâncias colegiadas institucionalizadas de
controle social na saúde apontam a coexistência de avanços, retrocessos e limitações.
Mesmo assim, é necessário que as políticas para a vigilância sanitária tenham uma real
participação da comunidade, pois, em nosso entender, sua presença é o único processo,
por falível que seja, que se tem à disposição para chegar a algum consenso sobre a
pluralidade de problemas sanitários existentes. (8)
Dessa forma, o gestor público tem a obrigação ética de fundamentar suas decisões
em cuidadosa deliberação que inclua os trabalhadores, produtores e usuários. Nesse
sentido, a comunidade, através de seus mecanismos de participação social, como as
Conferências de Saúde, por poderem espelhar os múltiplos interesses e valores morais
existentes, constituem importantes instrumentos de auxílio para a escolha do caminho
que a vigilância sanitária irá traçar, nos próximos anos, como instrumento de construção
da cidadania.
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Berlinguer G. Questões de vida. Salvador: APCE-Hucitec-CEBES; 1993. p.35.
2. Chaui M. Convite à filosofia. 5ª ed. São Paulo: Ática; 1995.
3. Cohen C e Segre M. Breve discurso sobre valores, moral, eticidade e ética.
Bioética 1994; 2 (1):19-24.
4. Costa EA. Vigilância sanitária: defesa e proteção da saúde. São Paulo
1998. [Tese de Doutorado. Faculdade de Saúde Pública USP]
5. Crisp R. Mill – on utilitarism. London: Routldge Philosophy Guidebook; 1997.
6. Di Pietro MSZ. Direito administrativo. São Paulo: Atlas; 1990.
7. Durant G. A bioética: natureza, princípios, objetivos. Paulus: São Paulo;
1993.
8. Fortes P.A.C. A ética do controle social na saúde e os conselhos de Saúde.
Bioética 1997; 5 (1): 71-6.
9. Mill JS. On liberty. London: Penguin Books; 1985.
10. Sacardo DP. Expectativa de privacidade segundo pessoas hospitalizadas e não
hospitalizadas: uma abordagem bioética. São Paulo 2001 [Dissertação de
Mestrado – Faculdade de Saúde Pública USP].
11. Schramm FR. Da bioética privada à bioética pública. In: FLEURY S.,
organizadora. Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos
Editorial; 1997. p.227–40.
12. Sposati A, Lobo E. Controle social e política de saúde. Cad.Saúde Públ., Rio
de Janeiro 1992; 8 (4):366-78.
13. Vasquez AS. Ética. 20ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 2000.