domingo, 5 de dezembro de 2010

CONTROLE E PREVENÇÃO DE INFECÇÕES

Nota Tecnica da ANVISA
Os Antibióticos e as bactérias

Penicilina: a “droga milagrosa” e o início da “era dos antibióticos”

O primeiro antibiótico - a penicilina - foi descoberto por Fleming, em 1928, ao verificar inibição de uma cultura bacteriana de Staphylococcus pela acção de um fungo, posteriormente identificado como sendo do género Penicillium. A substância produzida por este fungo foi denominada de penicilina.

Inicialmente, esta descoberta não despertou grande interesse; no entanto, quando da eclosão da 2ª Guerra Mundial, em 1939, intensificaram-se as pesquisas para avaliar o valor quimioterápico da penicilina.

Assim, em 1942, por altura de um incêndio numa discoteca em Boston, foi utilizada uma “droga milagrosa” que se mostrou excelente no combate às infecções de pele associadas às queimaduras resultantes do incidente: a penicilina. A partir desta data, a penicilina passou a ser produzida em escala industrial, inaugurando uma nova era para a medicina, denominada a “era dos antibióticos”.



O que é um antibiótico?

Antibióticos são substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que têm a capacidade de impedir a multiplicação de bactérias ou de as destruir, sem ter efeitos tóxicos para o homem ou animal.

As principais fontes de antibióticos usados hoje em clínica são produtos naturais: fungos (Penicillium produtor de Penicilina) ou bactérias. No entanto, há já alguns anos, existem antibióticos totalmente sintéticos (como as sulfamidas). Os antibióticos são totalmente ineficazes contra os vírus.

Antimicrobiano é um termo genérico que pretende englobar todas as substâncias químicas com actividade sobre os diferentes microrganismos: antibióticos ou antibacterianos (quando actuam em bactérias); antivirais - quando actuam em vírus; antifúngicos (quando actuam em fungos) e antiparasitários (quando actuam em parasitas).



Quando tomar antibiótico?

Os antibióticos são prescritos para o tratamento de doenças causadas por bactérias e não para as causadas por vírus. A gripe é causada por vírus e não por bactérias. Portanto, não devem ser tomados antibióticos em casos de gripe. Quando usados com precaução os antibióticos são uma ferramenta importante a nível médico para impedir ou tratar doenças infecciosas. Assim, o seu uso está indicado apenas em infecções diagnosticadas como bacterianas e seguindo rigorosamente as indicações da prescrição médica.



O que fazer quando estou doente?

Se estou doente devo pedir conselho ao médico ou farmacêutico. Com efeito, os antibióticos podem não ser a melhor solução. Formule as seguintes questões:

- O que me prescreveu o médico?

- Trata-se de um antibiótico?

- Que doses e horas devo respeitar?

- Porque me prescreveu o meu médico antibiótico? Considerará que os antibióticos são verdadeiramente necessários?

- Quantos dias de repouso ou que tratamento alternativo será possível para eu ficar bem?



Como actuam os antibióticos?

Os antibióticos poderão ter uma actividade “bactericida” se matam as bactérias ou uma actividade “bacteriostática” se apenas inibem a multiplicação e o crescimento bacteriano. Neste último caso, o hospedeiro infectado tem tempo para activar a sua resposta imunitária e eliminar o agente infeccioso, enquanto que em casos de doentes com sistemas imunitários debilitados e incapazes de destruir o agente bacteriano são preferencialmente utilizados os antibióticos com acção bactericida. Em qualquer dos casos, os antibióticos actuam atacando a parede bacteriana, a membrana celular ou outros constituintes bacterianos necessários para a vida e reprodução bacteriana.



Como são utilizados os antibióticos?

Os antibióticos são usados em medicina humana e veterinária para tratar doenças causadas por bactérias e, nalguns casos, para prevenir infecções bacterianas (por exemplo: antes de intervenções cirúrgicas). São ainda usados como promotores de crescimento em animais que fazem parte da cadeia alimentar e como pesticidas para controlar infecções bacterianas em campos de cultivo, nomeadamente de cereais.



Que antibióticos existem?

Há centenas de antibióticos, alguns dos quais são apenas utilizados a nível hospitalar, estando a maior parte incluídos em oito grandes grupos. São classificados de acordo com a sua estrutura química de base. Os constituintes de cada grupo de antibióticos surge da adição ou substituição de radicais à estrutura base, com o objectivo de aperfeiçoar as suas propriedades antibacterianas e farmacológicas. Os principais grupos de antibióticos são:

- penicilinas, inibidores de beta-lactamase, cefalosporinas;

- monobactâmicos;

- carbapenemes;

- glicopeptídeos,

- macrólidos e lincosaminas;

- tetraciclinas;

- quinolonas e fluoroquinolonas;

- aminoglicosídeos;

- outros antibacterianos (exemplo: sulfonamidas, cloranfenicol, rifamicinas, linezolide, metronidazol, fosfomicina)



A resistência aos antibióticos

O que é a resistência aos antibióticos?

A resistência aos antibióticos ocorre quando estes perdem a capacidade de controlar o crescimento ou morte bacteriana; ou seja, é a forma que as bactérias encontram para neutralizar o efeito do antibiótico.

Assim, uma bactéria é considerada resistente a determinado antibiótico quando continua a multiplicar-se na presença de níveis terapêuticos desse antibiótico.



Porque é que as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos?

Quando uma bactéria é susceptível a determinado antibiótico é destruída por acção do mesmo, no entanto permanecem as bactérias resistentes, então as únicas a proliferar. Assim, estas bactérias resistentes permanecerão no local de infecção e tornam-se predominantes após acção sucessiva de antibiótico (pressão de selecção).

O principal factor favorecedor da resistência aos antibióticos, e que se relaciona directamente com os nossos hábitos terapêuticos, do qual temos que tomar consciência, é a pressão de selecção exercida pelo uso intensivo, muitas vezes excessivo, da antibioterapia. Os antibióticos, por vezes, são vendidos sem prescrição médica e, frequentemente, os doentes tomam antibióticos desnecessariamente, nomeadamente para tratamento de doenças virais (gripe).

O perigo da utilização intensiva de antibióticos ultrapassa, muitas vezes, o domínio médico, pois estes são também largamente utilizados na criação de gado, piscicultura, indústria alimentar, etc.



Como é que as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos?

Há bactérias que são naturalmente resistentes aos antibióticos, pois adaptaram-se para sobreviver na sua presença, desenvolvendo os mecanismos necessários para tal.

Os mecanismos de resistência são hereditários, isto é, uma bactéria transmite à sua descendência a resistência aos antibióticos; mas pode ainda transmiti-lo às bactérias circundantes que coabitam com a bactéria resistente. É desta forma que as bactérias que vivem no corpo humano sem nos causar problemas (comensais) se tornam resistentes.

Um problema que existe é que os antibióticos não diferenciam entre as bactérias que coabitam connosco (comensais) e as bactérias agressivas (as patogénicas, que causam as infecções). As bactérias patogénicas podem já ser resistentes aos antibióticos quando entram no nosso organismo. Como as bactérias comensais não podem defender-se, quando tomamos inutilmente um antibiótico este pode eliminá-las, embora sejam necessárias ao nosso organismo.

A resistência pode surgir por aquisição de mutações espontâneas (devido à modificação da informação genética "endógena") ou por aquisição de material genético de outras bactérias (“exógeno"). Neste último caso, pode haver transferência (disseminação) de material genético, por simples conjugação, com outra bactéria - nomeadamente dos genes que codificam para a resistência aos antibióticos - o qual se pode encontrar em elementos genéticos móveis (plasmídeos e transposões). Este material genético também pode ser transferido (disseminado) para outra bactéria através dos vírus das bactérias (os bacteriófagos).



Porque é que as bactérias resistentes se tornaram cada vez mais numerosas?

Como a resistência aos antibióticos se transmite à descendência, as bactérias comensais resistentes ao multiplicarem-se ocupam os lugares deixados livres pelas susceptíveis, que vão sendo destruídas pelo antibiótico; assim, predominarão as bactérias resistentes. Quando nós tomamos antibióticos com (muita) frequência iremos, cada vez mais, manter bactérias resistentes a esse antibiótico no nosso organismo.

Como as bactérias resistentes podem ser transmitidas a outros indivíduos, quem nunca tomou antibiótico também poderá estar incluído. Assim, o uso de antibióticos e a resistência podem eventualmente afectar uma comunidade inteira.

A utilização indevida de antibióticos favorece portanto a propagação de bactérias resistentes.



A resistência aos antibióticos e o homem

A resistência aos antibióticos constitui um problema para o meio ambiente?

Quando o homem ou os animais tomam antibióticos, cerca de 80-90% do antibiótico ingerido não é degradado e é expelido ainda intacto para meio ambiente (como resíduo); aí (no solo ou na água) retêm a sua capacidade para actuar nas bactérias e promover resistências, como produtos residuais.



Qual o problema médico da resistência aos antibióticos?

Os antibióticos fazem parte do grupo de “drogas” que curam doenças; neste caso especifico doenças infecciosas. Muito do progresso da medicina (como cirurgia avançada, transplantes de órgãos, etc.) tem sido possível utilizando os antibióticos como profilácticos.

O perigo do retorno à “era pré-antibiótica” começa a ser uma verdadeira ameaça porquanto, bactérias resistentes emergentes (enterococos) ou re-emergentes (Mycobacterium) e “novas” bactérias (como as implicadas na doença do Legionário, úlceras gástricas, doença de Lyme, sindroma do choque tóxico) vão surgindo. Actualmente foram já isoladas bactérias resistentes a todos os antibióticos disponíveis (estafilococos).

Novos antibióticos serão eventualmente necessários, particularmente considerando que não foram introduzidas novas classes de antibióticos nos últimos anos, apesar da investigação da indústria farmacêutica.

As infecções bacterianas são mais difíceis de tratar e dispendiosas quando as bactérias são resistentes aos antibióticos, pois serão necessárias mais consultas médicas, por vezes hospitalização (nomeadamente por períodos prolongados), utilização de antibióticos mais caros e a ausência ao trabalho; contribui ainda para o aumento das taxas de mortalidade.



A resistência aos antibióticos pode considerar-se um problema no futuro?

A resistência aos antibióticos é hoje uma realidade em todo o mundo e constitui um problema sério no tratamento das doenças infecciosas. Ainda que não se conheça a grandeza deste problema, estima-se que, a nível mundial, o custo do tratamento de infecções causadas por bactérias com resistência aos antibióticos é de muitos biliões de dólares por ano.

Alguns cientistas profetizam que a resistência aos antibióticos está a aumentar muito mais rapidamente do que é possível controlar e que o futuro será o de um cenário semelhante ao da “era pré-antibiótica”. Outros cientistas, mais optimistas, acreditam que a investigação e a utilização cuidadosa dos antibióticos pode reverter esta tendência, desde que sejam feitos esforços a nível mundial para reconhecer e controlar este problema.



O que se pode fazer para evitar a resistência aos antibióticos

Como podemos contribuir individualmente para evitar a resistência aos antibióticos?

Tomar antibióticos apenas quando é necessário.

Uma boa higiene é também fundamental:

Lavar as mãos com frequência utilizando água e sabão (“o melhor desinfectante”): previne a doença e, portanto, o uso de antibióticos;

Cozinhar bem os alimentos e ter cuidados de higiene na sua confecção: previne as toxi-infecções alimentares, e, portanto, o uso de antibióticos.



Existem regras para a utilização dos antibióticos?

Algumas instituições, como por exemplo hospitais, têm comissões sobre “política de antibióticos” que estabelecem regras rígidas no seu consumo. Estas regras asseguram o uso racional dos antibióticos, tentando evitar ao máximo os problemas de resistência.

A política de antibióticos é variável de país para país. Por exemplo, nalguns países, os antibióticos podem ser vendidos sem receita médica, enquanto noutros não é permitido (embora, por vezes, não seja cumprido).

Em pecuária são utilizados antibióticos (em baixas quantidades) como promotores de crescimento. Quando estes produtos entram na cadeia alimentar podem representar uma fracção importante do total de antibióticos consumido pela população. Os antibióticos que podem ser usados na pecuária estão regulamentados, com o objectivo de preservar os antibióticos que são mais eficazes para o tratamento de doenças no homem.



Existem acções internacionais para contornar o problema da resistência aos antibióticos?

Dado aos níveis elevados de bactérias resistentes em todo o mundo várias têm sido as intervenções nomeadamente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Comissão Europeia. Globalmente, a limitação do uso de antibióticos ou mesmo o seu acesso fácil, a melhoria do saneamento básico, a utilização de água potável para todos, o desenvolvimento de vacinas que possam proteger populações mais vulneráveis, o controlo das bactérias multirresistentes a nível hospitalar e da comunidade e a redução do uso de antibióticos na pecuária e agricultura.



Poderemos preservar a eficácia dos antibióticos actualmente existentes?

Para preservar a potencialidade dos antibióticos actualmente existentes, deve ser diminuída a sua utilização. Os médicos, farmacêuticos e a população em geral devem evitar a utilização intensiva e abusiva destes valiosos medicamentos. A prescrição, dosagem e duração de tratamento de antibiótico no homem são de particular importância, bem como o uso controlado de antibióticos em pecuária e na agricultura, para se evitar a eliminação das bactérias benéficas conjuntamente com a bactéria causadora da doença no homem.



Podem ser desenvolvidos novos antibióticos?

As epidemias de bactérias resistentes incrementaram o interesse pela descoberta de novos antibióticos. Contudo, o processo de produção de um novo antibiótico é longo e dispendioso, sendo necessário cerca de 10 anos e muitos milhões de dólares até que um antibiótico seja colocado no mercado. Muitos dos esforços que têm sido efectuados para descobrir novos antibióticos em microrganismos do solo, resultam em compostos iguais ou muito semelhantes aos já existentes e, deste modo, a sua utilização massiva iria conduzir à emergência de resistência num período muito curto. Não obstante, os cientistas continuam as suas pesquisas na descoberta de novos antibióticos pesquisando outras fontes menos usuais, como o subsolo, a pele de sapos e certos insectos.



Pode-se dominar a resistência aos antibióticos?

Uma das abordagens dos cientistas para combater a resistência aos antibióticos é reforçar a acção dos antibióticos existentes, modificando-os.

Em alternativa, já são utilizadas moléculas “isco” que fazem com que enzimas produzidos pelas bactérias resistentes se liguem a esse “isco”, ficando o antibiótico livre para destruir a bactéria. Um exemplo destas moléculas, que “fintam” as enzimas, é o ácido clavulânico; este bloqueia as enzimas, denominadas beta-lactamases, que destroem os antibióticos da família da penicilina.

Uma outra alternativa para resolver este problema da resistência aos antibióticos é o de interferir mais com os mecanismos que são responsáveis pela resistência, do com a destruição da bactéria. Por exemplo, interferindo na transferência do material genético de uma bactéria para outra, poder-se-ia eliminar a transferência de genes de resistência entre bactérias. (http://www.insa.pt/sites/INSA/Portugues/Paginas/AntibioticosResi.aspx